Foda-se a Nitidez
Como a paranóia por nitidez está cegando fotógrafos.
A Ótica é uma ciência muito mais antiga que a Fotografia, os fotógrafos tendem, inutilmente, a superestimar essa característica das lentes.
Euclides, quatrocentos anos antes de Cristo, já desenvolvia a idéia de ângulo de incidência e reflexão, Alhazen já propunha - no século XI - uma nova teoria para o conceito de visão em seu “Livro de Óptica", a lente é introduzida na câmara escura em 1550, anos mais tarde é aprimorada por Galileu no uso dos telescópios e Newton levaria 40 anos para publicar suas teorias sobre a luz no titânico “Optiks”, de 1704.
O filme, esse novato.
Quando a fotografia surgiu, no início do século 19, quem tinha problemas com variações de temperatura, imperícia na manipulação, multiplicidade de processos e lentidão de sensibilidade não eram as lentes, mas um recém-chegado no teatro luminoso: o filme.
As lentes já vinham carregadas de conhecimento, é uma insanidade crer que, em pleno 2025, alguma objetiva atual não seja “nítida” ou que o fotógrafo tenha algum modelo defeituoso.
Qualquer lente atual, de qualquer modelo de câmera, é capaz de renderizar muito mais detalhes que o sensor consegue suportar. Não há espaço no mercado fotográfico para qualquer equipamento ruim, dos celulares as médio formato, quem sacrificou a qualidade, faliu.
O que é Nitidez?
Em fotografia, nitidez refere-se à clareza e definição dos detalhes em uma imagem, no dicionário:
1. Qualidade de nítido.
2. Estado do que é claro e limpo.
3. Brilho, limpidez.
É uma definição extremamente subjetiva, porque o teste mais preciso possível vai esbarrar em algo que nenhum Youtuber lhe mostrará: o quanto seu cérebro consegue - ou deseja - perceber dessa nitidez.
Fotos calibradas para olhos desajustados
Claro que lentes mais nítidas são desejáveis, mas engana-se quem pensa que mais nitidez é sinônimo de fotos melhores ou mais profissionais, o próprio Ansel Adams já comentava:
Nada mais danoso em Fotografia do que uma foto nítida de um conceito difuso
Nitidez e Desfoque tendem a ser os conceitos mais debatidos em qualquer grupo de discussão na internet, teimando em esquecer que sua fotografia está abaixo da nitidez e antes do desfoque.
Qualquer tentativa de aprimorar esses conceitos, aumentando a nitidez em 20x ou deixando o desfoque mais cremoso, só impede que o espectador mergulhe na sua foto, exatamente o que você NÃO quer!
Um elogio a qualquer um desses limites é o sinal claro de sua imagem não teve força suficiente para chamar a atenção, ele conseguiu ver a lente e uma área que nasceu para não ser vista, e nada sobre aquilo que te levou a fotografar.
“Que desfoque lindo” e “que nitidez top!” são formas educadas de mostrar que sua foto está péssima!
As fotos acima foram feitas no casamento de João e Anna, queridos sobrinho e sua namorada, uma cerimônia informal e familiar, usei um Iphone e busquei momentos únicos.
Você realmente acha que eles olharam para a nitidez da lente? Melhor: você está dando zoom de 200x para ver se o olho está nítido? Nenhuma pessoa no mundo fará isso…
Falar sobre características de câmeras e lentes é a única coisa que resta para aqueles que nunca produziram uma foto.
Sweet spot pra que?
Para quantificar a nitidez de uma lente, milhares de vídeos no Youtube se lançam em uma tarefa tão modorrenta quanto inútil:
Com a câmera em um tripé, fotografam páginas da Bíblia ou gráficos MTF em todas as aberturas possíveis e em ambiente rigidamente controlado, o resultado não poderia ser menos revelador: nas aberturas extremas há uma queda na qualidade e nas intermediárias, a imagem tende a ficar ótima.
Precisam fazer teste para isso?
Os únicos fotógrafos que repetem a mesma foto em todas as aberturas e clicam em f/8 por conta da nitidez são os dos laboratórios MFT, no dia a dia você irá usar apenas uma abertura, que estará sujeita a uma dezena de fatores que irão interferir na definição da lente, mas não haverá outra imagem para comparação.
Sua imagem é, por definição, incomparável e isso já devia lhe deixar satisfeito.
Esses vídeos são pura perda de tempo! Então, respira. Solta o tripé mental, esquece o gráfico, e mira naquilo que te move.
A sua lente já tá boa o bastante — é o seu olhar que precisa estar mais nítido.
Fotografe com intenção, não com paranóia. E da próxima vez que alguém te perguntar sobre sweet spot, responde com outra pergunta: “Qual parte dessa imagem te fez parar?”
Porque é disso que se trata. Não de milímetros, mas de milagre.
Outro dia uma jovem fotógrafa estava revoltada no Threads porque uma pessoa havia achado muito bonita uma foto sem foco e tremida que uma pessoa havia postado naquela mesma rede. Disse ela que "as pessoas tinham perdido a noção". Pacientemente eu expliquei pra ela que, uma das maiores fotos da história foi feita por Robert Capa no desembarque das tropas aliadas no "Dia D" e era tremida e sem foco. E também expliquei educadamente que aquele suposto desabafo dela revelava um desconhecimento sobre a própria profissão e que seria importante ela estudar mais referências. Ela apagou o post.
Sempre é bom lê-lo e você foi cirúrgico. Quando foco sai do "saber fazer", "saber porquê fazer" , vira discutir sexo dos anjos. Imaginar tantos mestres da fotografia que fizeram fotos icônicas, com equipamentos que nem de perto são os que temos hoje e, mesmo assim, fizeram obras de referência. Obrigado, Mestre, pelo artigo!